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Conversa com especialistas: cinco visões sobre reinvenção corporativa

Como pensar diferente em 2021 e avançar nas mudanças tão fundamentais para a nova economia digital? Reunimos as melhores ideias das entrevistas concedidas à The Shift por cinco especialistas, que falam sobre sustentabilidade, inclusão e gestão de pessoas para a inovação e que vão ajudar a sintonizar seu modelo mental para os desafios de avançar na nova economia moldando as regras do “novo normal”.

Para a presidente da SAP América Latina, Cristina Palmaka, uma das poucas mulheres no Brasil a ocupar o mais alto cargo de liderança corporativa, a transformação digital é uma maratona que precisa ser encarada na companhia de equipes diversas e inclusivas. E em um ano que começa na ressaca de 2020, alerta Marco Tullio Zanini, professor da FGV especialista em liderança e gestão estratégica de pessoas, a melhor atitude corporativa é a empatia, para manter equipes unidas e produtivas

Como reinventar constantemente sua organização?

Alexander Osterwalder – arquiteto da Lean Startup, criador do Business Model Canvas e autor do livro “The Invincible Company”

“Toda empresa precisa experimentar. Encontrar um caminho que a ajude a gerenciar o que já tem e inventar o futuro. O mais importante é que a inovação tenha prioridade e poder em uma organização. CEOs deveriam gastar mais de 50% de seu tempo com inovação. É preciso também investir nos três tipos de inovação: a eficiente, a sustentável e a transformadora. A maioria dos esforços de inovação se concentra em eficiência e sustentabilidade. A tendência é sempre melhorar o que a empresa já tem. Mas esse pensamento não levará a empresa adiante.

A organização invencível explora o futuro, ao mesmo tempo que se destaca na exploração do presente. Transcende as fronteiras tradicionais da indústria. A exploração requer fazer um grande número de pequenas apostas que você reduz gradualmente ao longo do tempo, com base em evidências incompletas e potencialmente contraditórias. E às vezes matar uma ideia é a coisa mais saudável a se fazer.

A próxima grande onda de inovação se expandirá da inovação do modelo de negócios para a inovação de gestão. Identificar novas oportunidades de inovação no modelo de negócios requer coragem, persistência e autoridade. As pessoas designadas para identificar a reinvenção devem receber poder, recursos adequados e a oportunidade de influenciar o ecossistema.

Como identificar as oportunidades de mudança?

Charlene Li, consultora, fundadora e sênior fellow da Altimeter, autora de vários livros, entre eles o mais recente, The Disruption Mindset”.

“O principal ponto é que seu consumidor está mudando. Você pode ter feito um excelente trabalho como empresa para resolver as necessidades que seus consumidores e clientes têm hoje, mas será que sua solução vai resolver seus problemas futuros? Você não sabe. E precisa parar e fazer as perguntas difíceis, ou você não vai estar preparado para o futuro.

Não se trata de ignorar seus clientes atuais, mas sim de apreciá-los, de entendê-los, de atendê-los corretamente, sabendo que eles podem, ou não, representar seus clientes futuros. Você precisa pensar no futuro [da empresa] e avaliar se os seus consumidores atuais se encaixam nele e como vai atender suas necessidades futuras com uma nova estratégia.

Se chegar à conclusão de que vai atender um consumidor completamente diferente, precisa fazer os sacrifícios agora, contratar as pessoas certas agora, para que possa realizar o futuro amanhã. E ouvir constantemente o mercado para captar mais sinais sobre esses consumidores até conseguir chegar em um modelo mais próximo. Precisamos ser curiosos e entender se eles na verdade não representam uma mudança brusca no seu mercado. Esses são os verdadeiros sinais ao redor e é preciso disciplinar as organizações para entendê-los. Eu não consigo pensar em nenhum consumidor hoje que não tenha algum componente digital em sua jornada. E as empresas jogam fora um monte de dados que poderiam dar essas respostas.

Você precisa pensar de forma muito criativa sobre quem são seus consumidores e como você pode entendê-los em suas mudanças de hábitos. Mas, de novo, é preciso definir quem é seu consumidor e, em particular, quem é o seu consumidor do futuro e alinhar a empresa toda nessa busca”.

Como organizar times diversos?

Cristina Palmaka, presidente da SAP América Latina e ex-presidente da SAP Brasil, cargo que ocupou durante seis anos.

“Diversidade, em geral, é fundamental. Começamos a nos focar nas mulheres e agora estamos vendo as consequências desse foco. Primeiro, das empresas e dos clientes estarem mais abertos para isso, e as próprias mulheres acreditarem que é possível. Começamos a falar mais de mulheres agora em que temos mais mulheres líderes, mais mulheres CEOs, mais mulheres na tecnologia. E hoje as competências que são femininas também são mais bem aceitas no ambiente de trabalho.

Ser assertivo, direto, pragmático… Essas são as competências masculinas, que todo mundo precisa ter. Você tem que ter. E no momento certo você tem que usar. Agora as competências femininas, que é o cuidar, ter empatia, olhar para a estrutura com outros olhos, são mais aceitas no ambiente de trabalho. E o melhor líder, homem ou mulher, é o que consegue usar, no momento certo, a melhor competência.

E aí tem as outras diversidades. Quando você aceita uma diversidade as outras vêm. Não é que é mais simples, mas é uma questão de respeito. No final do dia não é ou A, ou B, ou C. Você abre um mindset de respeito. Cultura é a parte mais importante das companhias. Você abre uma cultura de inclusão.

Pelo exemplo ajuda bastante. Como eu pratico, como eu organizo o meu time, que é diverso, pelas competências. Seu time tem que ser assim. Você tem que olhar para ele e se perguntar qual é a competência que falta. Eu não olho gênero, ou idade… importam os estilos. Quando eu vejo muitos times igualzinhos eu provoco e desafio os líderes. Você tem que gerir o seu time de forma que ele tenha competência complementares.

Administrar pessoas é a parte mais crucial… Hard skills você treina. O mais difícil são os tais soft skills, que na verdade são Human Skills. Aquilo que a pessoa tem, que vem com ela. No dia a dia vejo as pessoas quando elas estão em um momento bom, e aprendo com as pessoas quando elas estão nos momentos mais difíceis”.

Os estão os principais desafios das lideranças?

Marco Tulio Zanini, professor pesquisador em liderança e gestão estratégica de pessoas da Fundação Getulio Vargas.

“2021 não terá espaço para colocar o funcionário contra a parede cobrando resultado. A principal competência corporativa será a empatia, porque é ela que vai unir a equipe em prol do objetivo da organização. Estamos lidando com heranças históricas de problemas de governança, de inclusão, ambientais, que não são resolvidos com discurso. O ano de 2020 ampliou a questão da transparência e responsabilidade empresarial. Cada vez mais, caberá à liderança estratégica preparar a empresa para este cenário.

Os grandes desafios para o futuro são organizacionais, e não de competências individuais para a liderança. Uma capacidade essencial à liderança estratégica é a leitura de contexto. Trata-se de compreender em que ponto do cenário mais amplo seu negócio está, quais são as tendências que vão nortear o futuro e qual a estratégia mais eficaz para reposicionar a organização da melhor forma.  Tem tudo a ver com resiliência, que é a capacidade de aguentar altos e baixos, de operar em situações de emergência.

Isso vale para uma análise dos indivíduos. Existe um ponto que faz um colaborador ser indispensável dentro de uma organização, e não é a formação acadêmica. É a atitude perante a um desafio, uma qualidade que não se identifica em processo seletivo.

Eu chamo essa atitude de empreendedorismo corporativo. É a habilidade de encontrar soluções inovadoras para os desafios dentro das organizações. A atitude de abraçar e encarar o problema de frente é algo que está em falta no mercado de trabalho. Todo mundo está esperando uma ordem do chefe, aguardando o horário da próxima reunião. O profissional que tem a atitude de empreender na sua empresa será o mais valorizado em 2021”.

Qual a importância da ESG para 2021?

Marcus Nakagawa, coordenador do Centro de Desenvolvimento Socioambiental da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

“ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) nada mais é do que um termo técnico utilizado pela área financeira para falar sobre sustentabilidade empresarial. O conceito está associado à gestão de indicadores ligados à governança ambiental, social e corporativa. Ele entrou na pauta em 2004 com o pacto global da ONU, mas ganhou mais relevância nos últimos anos, quando grandes fundos de investimento, como a BlackRock, decidiram investir apenas em organizações que tivessem a sustentabilidade como prioridade estratégica, e não paralela ao negócio.

O primeiro ponto relevante é que a diretoria executiva e o conselho realmente queiram inserir ESG no modelo de negócio, na estratégia e no DNA da empresa. Não adianta contratar uma consultoria que olhe de fora ou criar um departamento interno de sustentabilidade se o C-level não entender esta questão como fundamental.

A pauta tem que ter um dono dentro da organização para garantir que seja efetiva. Estamos falando aqui de gestão, governança, controles e avaliações, de inserir as questões ambientais e sociais no cerne da estratégia dos negócios e em todos os processos. Tudo isso precisa ser medido, avaliado, controlado e melhorado. Para tanto, existem as políticas, os procedimentos, as regras, os códigos de condutas, certificações e o compliance nas empresas.

Pesquisa e desenvolvimento têm tudo a ver com ESG. A parte de P&D das organizações deve investir cada vez mais em inovação para que impactos negativos sejam minimizados. Estamos falando de geração de resíduos, de gasto energético, de impactar a vida de pessoas dentro ou no entorno da empresa.

Depois de minimizar ou neutralizar os impactos vem a regeneração. Este é um novo termo que se usa na questão da sustentabilidade. Regenerar é ir além, melhorar os processos até um ponto em que se passa a ajudar o planeta a recuperar aquilo que ele já perdeu no passado.

As organizações são responsáveis sim pelos seus fornecedores e pelos seus distribuidores. Pela cadeia como um todo. A empresa não é uma ilha isolada que fica somente produzindo e vendendo para bater a meta prometida aos acionistas. Não adianta discutir ESG e olhar para o desenvolvimento sustentável só do seu lado. Toda a cadeia é responsável.

Negócios digitais, em modelos de marketplace, funcionam da mesma forma. Há toda uma cadeia física de logística, de nuvem, por trás. Empresas pequenas e médias também precisam mensurar seus impactos ambientais e sociais. No fim das contas, elas podem acabar prestando serviços às grandes organizações. Quem quiser ser uma fornecedora relevante no mercado precisa elevar seu padrão de ESG.

Quando o mercado financeiro tornar ESG mainstream, ou seja, um padrão para todas as empresas e negócios, e não somente algumas carteiras e fundos, o desenvolvimento sustentável ganhará ainda mais força.

 

*Fonte: Inovabra.